Estava tão
concentrado em sua leitura que nem reparou como o ônibus havia ficado cheio. Somente quando uma moça parou ao seu lado, acompanhada do filho, foi que ele
“despertou”. O jovem levantou-se, educadamente, a fim de ceder seu lugar para
que a moça sentasse com seu filho, que aparentava ter uns oito anos.
Em pé, o
rapaz começou a abrir sua mochila para guardar o livro que estava lendo
anteriormente, mas foi interrompido pelo menino:
- Está lendo
o que, tio?
- Elogio da
Loucura. Mas não me chama de tio... Tenho quase a sua idade.
- Tem nada!
Eu só tenho 7 anos! – respondeu o menino, sorrindo. – Posso ver? – e pegou o
livro.
- Daniel!!
Que falta de educação! Devolve para o moço! – repreendeu a mãe.
- Não, tudo
bem! Você gosta de ler, Daniel?
- Depende...
– respondeu a criança enquanto abria o livro e passava as páginas.
- Ué, como
assim “depende”? – divertiu-se o jovem.
- Depende,
tio...
- Lucas. Me
chama de Lucas, só para eu não me sentir muito velho, combinado? – e sorriu.
Aliás, se
tinha uma coisa que Lucas não conseguia segurar perto das crianças era o
sorriso. Era um fã declarado delas, da espontaneidade, da habilidade que elas
têm de acreditar nas coisas.
- Beleza... –
concordou Daniel – Então, esse aqui, por exemplo, eu não gostei, ti...
Lucas!!
- Ah, não?
Por quê? Você nem leu ainda, zé mané!
- Mas quase
não tem travessão. Eu gosto quando tem muito travessão.
- Como assim?
- É! Gosto
das conversas! É o mais importante em qualquer história.
Lucas ficou
surpreso. Só conseguiu balançar a cabeça afirmativamente.
O garoto
devolveu o livro e o rapaz guardou na mochila. Alguns minutos passaram até que
Lucas notou o menino distraído com a decoração de Natal de uma loja. Aproveitou
para puxar assunto novamente:
- Bonito, né?
E de Natal, você gosta ou também “depende”? – falou imitando a entonação de
Daniel.
- Ah, gosto!
– disse o garoto sorrindo, mas ficou pensativo logo depois – Lucas, você
acredita em Papai Noel?
O rapaz ficou
sem saber como reagir à pergunta e olhou para a mãe. Ela, tão surpresa quanto
Lucas, apenas deu de ombro. Para o alívio de ambos, Daniel voltou a falar:
- Eu não
acredito, sabe? Já não sou mais criancinha...
- Ah, não é
mais criancinha? – Lucas e a mãe do menino começaram a rir.
- Sou não.
Sei que ele não existe. E vocês dois também sabem disso. Mas, se ele existisse
e você pudesse pedir um presente para ele, o que você pediria, Lucas?
- Caramba!
Assim, na lata? Sei lá! São muitas opções...
- Então, é
fácil! Só escolhe uma das opções. Pode ser qualquer coisa! – disse Daniel
revirando os olhos.
- Não sei, zé
mané! É uma pergunta muito difícil!
- Para
adultos é tudo muito difícil... – resmungou Daniel.
Lucas achou
graça e melhor não retrucar, pois concordava plenamente com o menino.
Entretanto, aquela pergunta ficou na cabeça dele. O que pediria para o Papai
Noel? Demorou muito até encontrar uma resposta.
- Daniel...
Pode ser qualquer coisa mesmo, né?
- Qualquer
coisa o quê?
- O pedido
pro Papai Noel, zé mané!
- Ah, tá!
Pode! Pensou em alguma coisa?
- Sim. Se eu pudesse
pedir qualquer coisa para o Papai Noel, eu pediria que minha mãe vivesse para
sempre.
- E eu que
sou o zé mané... – falou o menino, balançando a cabeça negativamente.
- Ué, você
disse que poderia ser qualquer coisa!
- É, mas se
sua mãe vivesse pra sempre, ela iria sofrer pra sempre depois que você
morresse.
A resposta
foi um choque para Lucas:
- Cara, você
tem certeza que só tem 7 anos? – divertiu-se o rapaz.
- Viu? Eu
disse que não era mais criancinha!
Neste
momento, a mãe de Daniel se levantou e disse:
- Vamos,
Dani. Se despede do Lucas porque a gente desce no próximo ponto.
O garoto
apertou a mão de Lucas e deu tchau. Enquanto mãe e filho se dirigiam para a
parte de trás do ônibus, Lucas chamou o rapazinho:
- Daniel! – o
menino virou-se para olhar – E você? O que pediria para o Papai Noel?
Daniel olhou
para o chão no ônibus durante poucos segundos e, depois que este parou,
respondeu enquanto descia:
-
Travessões... Muitos travessões na vida de todo mundo.
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