segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Escrito

O escritor estava mais uma vez sentado em sua cadeira, com a máquina de escrever, pronta para ser manejada, na mesa à sua frente. O escritório vazio e silencioso, apenas com uma lâmpada acesa e a companhia de livros na estante, era um convite à produção de seus textos. Entretanto, o papel encontrava-se em branco.
Esta cena não era inédita. Nas últimas semanas, por várias vezes ele havia sentado no mesmo lugar e também não conseguiu escrever nada. Pelo menos nada que o agradasse. Chegou a começar a passar para o papel algumas ideias que teve, mas estas acabavam sempre por desagradá-lo e ele as jogava fora pensando "Não está bom! Tem que ser bem melhor!".
A verdade é que nada que ele escrevesse seria, ao menos para ele, bom o bastante. Ele sentia sempre como se estivesse faltando algo em seu texto.
Todas as vezes que sentou-se para escrever, acabava por passar o tempo pensando. E hoje ocorreu da mesma forma, mas com uma sutil diferença.
Nas outras vezes, ele pensava, pensava, sorria sozinho com as coisas que lembrava (ou melhor, que não esquecia). E no fim, o papel permanecia em branco, por ele achar que não escrevia nada bom o bastante a ponto de merecer ser lido.
Hoje, o escritor também pensou, também sorriu, também lembrou (ou não esqueceu!), mas no final, ao desistir de vez de escrever algo, levantou-se e viu que o seu papel continha algumas palavras e elas o fizeram perceber que o problema não era suas ideias serem ruins, mas sim o receio de que não fossem boas o bastante para alguém. Percebeu também que não faria diferença se escrevesse ou não, se o que escreveu era bom ou não. Percebeu que para alguém, o escrito sempre faria a diferença.
Olhou para o papel como que pensando "Que horas que eu escrevi isso?" e, ao invés de amassá-lo e jogá-lo fora como os outros, ele dobrou e, sorrindo, guardou em seu bolso o papel que dizia:
"Foi um beijo. Não, foi o beijo! O beijo... na testa."