quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Arquivo do Mengão - Documento II
Corria o mês de abril de 1999. O Flamengo acabara de vencer o Grêmio, em Porto Alegre, e eu voltava para o centro da cidade de ônibus, incógnito e feliz entre gremistas desolados.
De tão lento o trânsito parou. E, sem que eu percebesse imediatamente a causa, os lamúrios tricolores se transformaram em revolta. Todos apontavam para a rua, onde um torcedor do Flamengo caminhava sozinho, em silêncio, vestindo uma velha camisa rubro-negra.
- Canalha! Pega ele!, gritavam os gremistas do ônibus, sendo atendidos pelos gremistas que estavam nos carros parados.
Logo o rubro-negro estava cercado por vinte, trinta tricolores, que tentavam arrancar-lhe a camisa. E quanto mais o rubro-negro resistia, mais os tricolores ficavam violentos, distribuindo socos e pontapés, rasgando em muitos pedaços a camisa que não foi tirada ante meras ameaças. A camisa rasgada não impediu que o rubro-negro anônimo tentasse juntar os seus pedaços, que eram rasgados em pedaços menores ainda pelos gremistas, ações saudadas como se fossem gols tricolores em Gre-Nal.
O rubro-negro já tinha marcas de sangue pelo corpo quando passou a Brigada Militar, dissipando os agressores.
Logo só estava na rua o rubro-negro ferido, e espalhados pelo chão pontos de sangue e retalhos de pano vermelho e preto.
Irá ao hospital, pensei, ou chamará pela Brigada que passou e não se ateve ao fato.
Mas era um rubro-negro, e ele saiu catando os pedaços da camisa, um a um, até reuni-los em uma das mãos. Observado pelos gremistas do ônibus, não lhes dirigiu sequer um olhar de raiva. Beijou os panos amontoados, segurou-os orgulhosamente contra o peito e se foi, carregando pelas ruas de Porto Alegre os restos imortais de seu Manto Sagrado. E sorria. Eis o mistério da nossa fé.
(Autor desconhecido)
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