quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A Flor

Ele tentou. Tentou, de sua maneira, não se importar com aquela flor, talvez deixá-la de lado. Parou de olhar todo dia através de sua janela buscando encontrá-la. Deixou de comprar telas e tintas com as quais tentava transformar a bela flor em obra de arte. Ele até conseguiu. Passou semanas livre das coisas que o prendiam àquela flor. Quem convivia com ele notou que algo estava diferente. Até que um dia, ao sair de casa, distraído, deixou o olhar bater na flor. E ela estava lá: suas pétalas rosadas, dando uma idéia de textura macia, e seus espinhos, que impediram ele se aproximasse outrora. Bastou olha para a flor para que o rapaz soubesse que estava novamente preso a ela. Antes de voltar para casa, comprou tintas e telas e, naquela mesma noite, se colocou a pintar a flor. Não tentaria chegar a ela novamente. Queria apenas pintá-la, sempre que possível, enquanto esperava o fim da primavera, o que daria início a um período sem a flor, facilitando, quem sabe, que ele a transformasse apenas em uma agradável lembrança.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Faz de Conta

Ela faz de conta que entende a vida Faz de conta que entende os sentimentos Mas no fundo sente-se indefesa Perdida e abandonada Em meio a coisas sem explicação Prefere encarar o mundo com os pés no chão Aprendeu que a vida não é um faz de conta Só que, à noite, antes de dormir Ela revela seu mundo, apenas para si Um mundo diferente, de faz de conta Onde ela esquece todo o resto E faz planos, muitas vezes mirabolantes Planos que serão esquecidos No instante que o despertador tocar Fazendo com que ela acorde para o mundo real Mas, por enquanto, ela se alegra Já que terá toda uma noite acompanhada Dos seus devaneios Dos castelos Dos perigos, dos dragões e bruxas E do príncipe, que a salva Sempre antes do amanhecer E é pensando nisso que ela adormece Como a princesa de seu próprio faz de conta Sem saber que, ao mesmo tempo, No outro canto da cidade Seu príncipe de faz de conta Está olhando através da janela de um ônibus Vendo as luzes da rua passando E este rapaz sonha acordado Sem nada procurar através do vidro, Apenas com uma certeza: Em algum lugar lá fora, Mesmo que ainda não a conheça, Está a sua princesa de faz de conta Aquela que um dia Se tornará real.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Um domingo qualquer...

por Rica Perrone Era um dia frio, sem chuva. Seria um dia chato, não fosse o Maracanã lotado e a expectativa de um título. Ele não era fanático, sequer tinha visto o estádio lotado na vida, até então. Tinha 13 anos e torcia, timidamente, para o Palmeiras, apesar de morar no RJ. Naquele domingo seu pai o levou na final. De bandeira, camisa e ingresso na mão, chegou assustado com a multidão. Entrou faltando 15 minutos pra começar e, quando olhou em volta, disse: “Pai, quantas pessoas tem aqui?!?”. - Muitas, filho… uma nação inteira, disse o pai. Aquela multidão explodiu em faixas, bandeiras e papel picado minutos depois. O garotinho se encolheu com medo e sentou. Com 1 minuto de jogo a torcida levantou e não deixou que o guri visse mais nada. Ele ouvia, sentia, mas não assistia. Seu pai, rubro-negro fanático, não tinha muita esperança de que seu pivete palmeirense um dia se envolvesse com futebol. Jamais mostrou grande interesse, e só torcia porque tinha um amigo que era palmeiras. O Flamengo saiu ganhando, mas não bastava. Tinha que ser com 2 gols de diferença, ou nada. Seu pai explicou que “faltava um”, e o garotinho não entendeu. Afinal… vitória não é vitória de qualquer jeito? Sofreu um gol, e ele não tirou sarro do pai como sempre fazia. Ficou triste, como que contagiado pela multidão. O outro lado, 40% do estádio apenas, fazia barulho, e ele ouvia o silencio da nação a sua volta. Segundo ele, o silencio mais dolorido que já escutou na vida. O Flamengo fez o segundo, e o garotinho, se envolvendo com o jogo, vibrou. Pulou no colo do seu pai e o abraçou como se fosse um legítimo urubuzinho. Não era, ainda. A torcida começou a cantar o hino, que ele sabia de cor de tanto ouvir o pai cantar. Pela primeira vez, cantou num estádio, e fez parte da nação. A angustia de milhares não passou em branco. Em mais alguns minutos o garotinho suava e já rezava de mãos grudadas ao peito. O Flamengo virou, mas não bastava. 40 minutos do segundo tempo. Mesmo com 2×1 no Placar, a nação ouvia gozações do outro lado. Ele não entendia, e fez o pai explicar, mesmo num momento dramático do jogo. Atencioso, o pai sentou e contou pro garoto que o Flamengo precisava ter 2 gols de vantagem, porque a vitória por um gol empataria a soma de 2 jogos, e o empate era do rival. Ele não entendeu bem, mas simplificou em sua cabeça: “Mais um e ganharemos”. Opa… “ganharemos”? Ele não era palmeirense? E então, aos 43 minutos, onde alguns já se mexiam na direção da saída, uma falta do meio da rua. Seu pai vibrou e ele questionou: “O que foi? Foi pênalti!? “ - Quase isso, filho!! Dali pro Pet é pênalti!!, profetizou o pai, ignorando a distancia da falta. A cobrança… o silencio eterno de 1 segundo e a explosão. Gol do Flamengo! Petkovic! E seu pai o abraça como nunca abraçou em toda sua vida. Pula, joga o garoto pra cima, beija, chora… O garotinho, numa mistura de susto com euforia, olha em volta e, de braços abertos, comemora em silencio um gol que não era dele. Sem razão, ele chora. E chorando, abraça o pai que, preocupado, rompe a alegria e pergunta: O que foi? O que foi? Se machucou? - Não… Eu to feliz, pai! Sem mais palavras, o pai sentou e abraçado ao garotinho deu um abraço de tricampeão. O jogo acabou, e os dois continuaram abraçados. A festa rolando, os dois assistindo a tudo aquilo emocionados, o garotinho absolutamente embasbacado com a cena, já que nunca havia visitado um estádio lotado, muito menos uma decisão. O pai olhava pro campo e pro filho, porque sabia que, talvez, aquele fosse seu único momento na vida onde teria a imagem de seu garoto comemorando um titulo do time dele. E chorava, sem vergonha nenhuma de quem estivesse em volta. O menino foi embora pensativo, eufórico. Em casa, contou pra mãe com uma empolgação incomum sobre tudo que viveu naquela tarde. E não falava do jogo, apenas da torcida. Iludido por uma frase, contou pra mãe: - Aí, no finalzinho, teve um pênalti! E o Flamengo fez o gol… - Não filho… não foi pênalti! Foi de falta. - Mas você disse que foi pênalti… - Era modo de falar…. hahahahahah - Então, mãe… aí, o cara fez o gol e a gente foi campeão!!! Pronto. Aquele “a gente” fez o pai parar de colocar cerveja no copo, virar a cabeça lentamente e perguntar, com medo da resposta: - A gente, filho? (silencio…) - É pai! O Mengão!!!!! Emocionado, o pai abraçou o garoto e não falou nada. Ali, seu maior sonho virava realidade. A mãe entendeu, deixou os dois na cozinha e saiu de fininho, enquanto o pai começava a contar de uma outra final que viveu em mil novecentos e bolinha, com toda a atenção do novo rubro-negro. Hoje o garoto tem 21, completados há alguns dias. Quando seu pai perguntou o que ele queria de presente este ano, a resposta foi essa: - Dois ingressos, uma bandeira, a camisa nova e ver você chorando igual aquele dia. E há quem diga que “futebol é bobagem”…

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Criação

Deus já tinha criado o mundo, já tinha criado os animais e já tinha até criado os homens e as mulheres. Criou também a amizade, o amor, todos os bons sentimentos. E viu os homens criarem os ruins. Mas, ainda assim, Ele achava que faltava alguma coisa no mundo. Foi então que, conversando com o arcanjo Rafael, Deus teve essa idéia. - Criarei um sentimento que fará qualquer homem chorar, mas também sorrir. Um sentimento capaz de fazê-los nunca esquecer daquilo que é importante na vida deles. Muitos corações serão despedaçados por este sentimento, entretanto, estes mesmos corações se reconstituirão e serão ainda mais fortes e maiores, também por culpa do tal sentimento. - disse Deus. O arcanjo estranhou: - E o Senhor acha que eles, os homens, serão capazes de suportar isso? - Ah, meu caro arcanjo Rafael! Eu os criei. Sei melhor do que ninguém o que eles são capazes de aguentar... Terão aqueles que conseguirão mais que outros, mas será bom conhecerem este sentimento, pois, como eu já disse, os fará perceber o que realmente é importante para eles. - Então todos poderão sentir esse tal negócio? - perguntou o arcanjo interessado. - Sim! Qualquer um deles está sujeito ao sentimento que criarei. Só que o nome de tal sentimento só poderá ser escrito e falado na língua portuguesa. - Só em português, Senhor? Mas por quê? - Porque, no futuro, criarei um rapaz que falará esta língua e que precisará muito deste nome para explicar aos outros o que sente. Os demais poderão descrever o sentimento da melhor maneira que os convir. O arcanjo Rafael achou sensacional a idéia de Deus e quis tirar proveito: - O Senhor podia dar o meu nome a esse novo sentimento, né? Já que sou eu que estou aqui, conversando contigo... Deus sorriu e respondeu: - Sinto muito... Já escolhi o nome do sentimento. Mas fique tranquilo, darei o seu nome ao tal rapaz que falará português. O arcanjo se animou e já estava indo embora quando uma última pergunta veio à sua cabeça: - Afinal, Senhor, qual será o nome do sentimento? O quê esse tal rapaz precisará tanto explicar? Deus sorriu mais uma vez, como se já estivesse esperando tal pergunta. - O menino Rafael sentirá SAUDADE. (Dedicado à Fefê, atendendo a um pedido dela.)